“HISTÓRIAS MÍNIMAS”: O ABSURDO COMO APRENDIZAGEM PARA SERMOS MAIS HUMANOS

Em seu segundo livro, autor curitibano explora as nuances que formam a ideia de cotidiano. 

A literatura é a arte da investigação. Histórias mínimas (Kafka Edições, 74 páginas), o segundo livro do jornalista e escritor Jonatan Silva, parte dessa premissa de busca para tentar entender o presente, o passado e o futuro. Por meio de contos minúsculos, e outros nem tão mínimos assim, o escritor revela uma realidade devastadora. 

Jogando com a ideia de linguagem e representação, Histórias mínimas coloca em xeque as ideias pré-fabricadas que constroem a nossa sociedade e o nosso cotidiano. Com um olhar sabido e textos ardilosos, Jonatan Silva dribla a noção de normalidade ao expor o absurdo ao microscópio literário. “A minha literatura é, acima de tudo, uma tentativa de ler o outro e de enxergar aquilo que não está dito. Ou porque não pode ser dito ou que não se sabe como dizê-lo”, explica o escritor. 

Histórias mínimas é uma literatura visual, um catálogo de cenas e colagens narrativas. De maneira inteligente, Jonatan Silva explora os espaços públicos e como se dá a relação deles com o homem. Com uma percepção aguçada e ousada, os contos que dão forma ao livro exploram situações, temas e lugares que não parecem habituais à literatura brasileira – sem perder o tom que dá massa às questões curitibanas. 

É nesse processo que o livro apresenta seu tom mais forte: com elementos minimalistas e lapidados, criando um universo bastante próprio e interessante. “É importante fazer da literatura uma provocação, colocar ideias foras do lugar para que ocupem um espaço de destaque e protagonismo”, avalia. 

O outro 
Em meio a tudo isso, Jonatan Silva faz de Histórias mínimas um panteão de seus heróis literatura. Está tudo lá: Dalton Trevisan, Jamil Snege, Valêncio Xavier e Manoel Carlos Karam ao lado de Franz Kafka, Bruno Schulz, Gonçalo M. Tavares. Nessa colcha de retalhos – ou mosaico, como prefere o autor –, o livro se transforma em uma narrativa de aprendizagens, um convite a olhar o outro. 

Ao pensar sobre o outro, Histórias mínimas evoca dois escritores fundamentais da literatura latino-americana: Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, ambos argentinos. Ainda assim, explica Silva, existe em sua literatura um diálogo profundo com as obras de escritores contemporâneo. “Há um pouco do Carlos Machado, e sua ideia do não lugar; do Tezza, as relações em choque e xeque; Fernando Koproski, a poesia; Márcio Renato dos Santos, seu olhar sobre a cidade como personagem; Cezar Tridapalli, a sua universalidade”, comenta. 

Histórias mínimas é um resgate da literatura curitibana em sua essência mais ampla e lírica, capaz de provocar e convidar o leitor a pensar que futuro é esse que estamos construindo.

KAFKA EDIÇÕES LANÇA COLEÇÃO DE LIVROS COM NOVAS VOZES DA LITERATURA PARANAENSE

As seis obras da coleção Geração PR10 serão lançadas no dia 9 de outubro no Hangar – Casa do Ócio e condensam um olhar provocativo e reflexivo sobre o cotidiano, o absurdo e a incomunicabilidade. 

A Kafka Edições lança no dia 9 de outubro, a partir das 19h, no Hangar- Casa do Ócio, a coleção Geração PR10, viabilizada por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba – Mecenato Subsidiado. Pensada como um recorte da produção literária no estado após 2010, a série retrata a renovação da literatura paranaense e, em simultâneo, celebra uma poética distinta e em diálogo com nomes como Manoel Carlos Karam, Wilson Bueno, Paulo Leminski e Jamil Snege. 

Os seis livros de contos que integram a coleção Geração PR10, ainda que diversos entre si, se assemelham pela linguagem provocativa e pela exploração de novos terrenos em termos de forma. Gravitando entre o real e o absurdo, são obras que permeiam temas e situações em consonância com os nossos tempos e que lançam um olhar singular sobre questões do cotidiano. “A ideia é fazer com que essa coleção irradie os autores como novos nomes e que continue uma batalha da Kafka Edições em revelar uma ficção que busca desafiar a linguagem”, explica o editor Paulo Sandrini, responsável pela curadoria da coleção Geração PR10, juntamente com Fernando Koproski. 

Em 14 Corpos de João e Maria, João Paulo Partala se debruça sobre a morte e a invisibilidade social, esmiuçando as contradições das condições da sociedade e a banalidade da vida. São textos que, por meio de um olhar arguto e de uma narrativa cheia de agudezas, traça uma linha limite entre o sujeito e o mundo, perpetuando a tradição de Camus no tratamento ao outro, mas também revelando eco da crônica diária. Partala cria um universo em que o trágico e o humor negro precisam coabitar. 

A Batida dos dias, de Carol Sakura, busca no onírico a possibilidade de refletir sobre o concreto. Seus personagens estão em becos sem saída, envoltos em alguma névoa de instabilidade e insegurança. Os relatos dão conta da opressão, velada – ou revelada – em relação sobretudo às mulheres. Com uma prosa pausada e reverencial, a escritora faz uma literatura centrípeta: olha para si para poder compreender o que está além dos seus próprios domínios. 

Deslocamentos 
Meio paranaense, meio finlandês, Sérgio Lutav é um maringaense que vive há alguns anos em Helsinque e seu livro Como invocar o Diabo e conjurar espíritos baixos reflete a ideia do não-lugar: o ser para não estar. Sua narrativa é um tratado sobre o deslocamento e o sentir-se deslocado, sobre o não pertencer. Lutav faz uma simbiose entre os olhares fantásticos de Kafka e de Cortázar, uma amálgama que, à primeira vista, pode soar desconexo, mas que, em realidade – e lá se vão os conceitos de real! –, tem muito a dizer sobre o autor e também sobre o leitor. Como invocar o Diabo e conjurar espíritos baixos é uma metáfora poderosa sobre o estrangeiro – aquele que, como diziam os Titãs, não é de lugar nenhum. 

Nas narrativas de Contos do Microcosmo, Guylherme Custódio usa a concisão para falar de temas que nos afligem constantemente. Seus contos são como elefantes na sala: tratam da complexidade das relações e das contradições do comportamento humano. Através desse espelho partido, Custódio relata o inesperado, o absurdo do real e o isolamento. São relações e vidas frustradas como uma condição inerente aos homens e mulheres, como se a perda da inocência fosse uma prerrogativa à vida adulta. 

Em Histórias mínimas, Jonatan Silva eleva o absurdo às últimas consequências. São personagens e situações dilacerados pela guerra e pela violência do cotidiano. Como uma metáfora sobre o caos, o livro dilata a inconstância e a vulgarização da vida – em uma espécie de olhar microscópico sobre o mundo. Histórias mínimas esboça a ideia de fronteiras sem limites e diálogos silenciosos, como se a comunicação entre os diferentes se tornasse, mais e mais, uma impossibilidade diante do abismo. 

Zumbido, de André Knewitz, é – como o próprio título sugere – uma alegoria sobre a vida nas cidades e seu ambiente castrador. Como ponto de contato entre os textos que formam o livro, personagens silenciados diante dos zumbidos provocados por aqueles que têm voz. Nessas relações de poder, Knewitz mistura as singelezas do tentar se encontrar e a dor de se saber importante. São gentes como o camponês no conto “Diante da lei”, de Kafka, que, apesar de consciente da impossibilidade, guarda dentro de si a esperança de um dia entrar nos espaços sagrados. 

Diálogos 
Para além das questões formais, os seis livros da Geração PR10 tratam do sujeito diante das impossibilidades e da necessidade de buscar uma alternativa para contrapor um cenário de tempo fechado, onde todos estão dançando em campo minado. São imagens corrosivas, e também corroídas, que pela sua estranheza e realidade convidam o leitor à reflexão e ao olhar mais profundo sobre os caminhos que o mundo está tomando. “São visões de mundo que trazem questionamentos, mas não respostas”, comenta Sandrini. 

Por outro lado, a Geração PR10 é também uma discussão sobre o espaço urbano e suas diferentes configurações. Algumas obras falam de uma Curitiba que não é cantada na literatura. “A gente vê muitas vezes os escritores querendo fazer de Curitiba o seu espaço, mas qual é a cidade nesses textos? Não é necessariamente uma Curitiba periférica, miscigenada, de uma população negra muitas vezes subalterna e oprimida”, comenta Sandrini, que cita 14 Corpos de João e Maria como um exemplo dessa vastidão de viagens por essa outra Curitiba, a do sujeito que vive as mazelas da periferia. 

Com a coleção Geração PR10, a Kafka Edições faz um mergulho denso no conto paranaense em suas novas formas e temáticas, mas sem perder de vista o diálogo com o que é produzido na literatura brasileira e internacional. As seis obras condensam um espírito combativo, experimental e altamente criativo das novas vozes da literatura do Paraná. 

Serviço 
Lançamento da Coleção PR10 – Kafka Edições
Quando: 9 de outubro
Horário: a partir das 19h
Endereço: Hangar – Casa Do Ócio – Alameda Dr. Muricy, 1091 – São Francisco, Curitiba – PR
Entrada: gratuita – os livros serão vendidos a R$20 por exemplar (a coleção completa por R$ 80)
Página do evento, aqui

POETA CURITIBANO FERNANDO KOPROSKI PASSA A LIMPO SUA TRAJETÓRIA EM PEQUENO DICIONÁRIO DE AZUIS

Volume celebra as mais de duas décadas dedicas aos versos com poesia completa e fortuna crítica.

Fernando Koproski é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira dos últimos anos. Poeta, tradutor, prosador e letrista de rock e música popular, o curitibano completa em 2018 mais de duas décadas dedicadas aos versos e, para celebrar esse momento, publica Pequeno dicionário de azuis.

O volume reúne toda a poesia de Koproski a partir de 1995, com o debut em Manual de ver nuvens, e se debruça sobre clássicos do universo koproskiano como Nunca seremos tão felizes como agora (2009) e Tudo que não sei sobre o amor (2003), que contém CD gravado em parceria com o músico Luciano Romanelli.

A poesia de Koproski transpira musicalidade e ritmo, não é à toa que muitos dos seus versos foram transformados em canções por nomes como Beijo AA Força, Carlos Machado, Casca de Nós e Alexandre França. Para o lançamento, que acontece no dia 26 de junho, às 19h30, no bar Ornitorrinco, o autor irá ler seus poemas acompanhado pelo guitarrista Mario Vizioli. No dia 27 de junho, o poeta apresenta o mesmo número para estudantes do Ensino Médio da rede pública de educação de São José dos Pinhais, Biblioteca Scharffenberg de Quadros.

Beleza áspera
Muito além que um apanhado da trajetória autoral de Koproski, Pequeno dicionário de azuis presenteia o leitor com poemas inéditos, fortuna crítica e entrevistas, somando 660 páginas. Para o escritor, em tempos de e-books e outras plataformas para se fazer e divulgar literatura, o papel ainda é fundamental para que se passe a limpo uma carreira prolífera como a sua. “Gosto de livros, cresci lendo e me apaixonando por livros reais, com ossatura forte de papel, livros com musculatura de papel e nervos de papel. E por isso, era natural sonhar em fazer um livro real. Livros virtuais não me atraem, acho eles sem graça”, comenta.

A poesia de Fernando Koproski é de uma beleza áspera, quase casual e que reflete a Curitiba de Leminski, Dalton Trevisan e Jamil Snege – e não a Cidade Sorriso ou a capital do futuro das propagandas. “A poesia é um acaso, uma espécie de acidente, uma voz que chama não os melhores, nem os mais belos, mas provavelmente uma convocação aos mais feios, desajustados, talvez problemáticos ou simplesmente despreparados para ficar frente a frente com a beleza e a verdade”, comenta o poeta em uma das entrevistas de Pequeno dicionário de azuis.

Entre contrapontos e choques de realidade, Koproski tece, como Penélope, seu tapete para desfazê-lo em seguida. Sempre na contramão dos lugares-comuns e do academicismo do mundo literário, poemas como “Universidade federal”, do Retrato do artista quando primavera (2016), “Autorretratos”, de Narciso para matar (2016), ou “Há flores dentro do tronco”, do, até agora, inédito À Procura da poesia mais pura (2017), apresentam um Fernando combativo, avesso aos formalismos que enquadram e limitam a poesia.

Agridoce
Como explica o escritor Paulo Sandrini, em um dos textos críticos que compõe a obra, “a poesia de Koproski é também um canto de guerra contra esse mundo atual, lugar lúgubre, reacionário, de poucos afetos e muito egoísmo”. Para lutar contra a banalidade do mal, nada mais certo que a pureza e inocência, que nada têm de ingenuidade.

Pequeno dicionário de azuis funciona também como uma grande ode às várias formas de amor. Se os versos de O Livro de sonhos (1999) celebram a juventude, a vontade de estar vivo a plenitude de Rimbaud ou Jim Morrisson, os poemas de Nunca seremos tão felizes como agora têm um endereço certo.

Como Vinícius de Moraes, Koproski é um poetinha. Não por ser menor, ao contrário, pela grandeza de seu delicado – e agridoce – vislumbre sobre o cotidiano. Algo que somente os olhos do poeta treinado, e sôfrego, é capaz de produzir. Segundo Fernando, escrever poesia não é um ato diário, é algo sobre o qual se debruça como um viajante sobre um mapa. “Para fazer poesia você precisa de um assombro, um insight, uma inspiração, alguma espécie de gatilho de fogo para ‘atravessar o espelho’ e encontrar o poema lá do outro lado”, afirma.

Não é exagero dizer que a poesia é a arte do encanto e da busca pelo ideal da beleza. Isso porque, como explica o poeta, “a importância da poesia e da compaixão, misericórdia e do amor é a mesma.” E, novamente, o que surge é a pureza e a inocência – que só pode ser aprendida com as crianças.  “Ingrid grávida”, “Laurinha” e “O olhar de Laura”, os três da safra inédita, formam uma belíssima trilogia da paternidade.

No final, se percebe que Pequeno dicionário de azuis é um caleidoscópio poético, capaz de levar o leitor em uma viagem pelo coração do poeta que, como bem definiu Antônio Thadeu Wojciechowski, bomba versos em nosso sangue.

Sobre o autor
Fernando Koproski nasceu em Curitiba em 1973. É autor da trilogia Um Poeta deve morrer – Nunca seremos tão felizes como agora (2009), Retrato do artista quando primavera (2014) e Retrato do artista quando verão, outono, inverno (2014). Escreveu a série ficcional A Complicada beleza – Narciso para matar (2016), Crônica de um amor morto (2016) e A Teoria do romance na prática (2016) –, os livros de poesia Como tornar-se azul em Curitiba (2004), Pétalas, pálpebras e pressas (2004), premiado pela Secretaria do Estado da Cultura do Paraná, entre outros.

Koproski foi o primeiro tradutor do cantor e poeta canadense Leonard Cohen no Brasil, publicando as coletâneas Atrás das linhas inimigas de meu amor (2007) e A Mil beijos de profundidade (2016). É responsável pela tradução e seleção dos poemas de Charles Bukowski que compõem os livros Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (2005), Amor é tudo que nós dissemos que não era (2012) e Maldito deus arrancando esses poemas de minha cabeça (2015). Traduziu, em 2016, Cabeça de adulto, obra poética de Jeff Tweedy, vocalista e letrista da banda Wilco.

Serviço:
Lançamento de Pequeno dicionário de azuis
Poesia | Editora 7Letras | 660 páginas | R$ 69,00.
Leitura de poemas na voz do autor acompanhado pelo guitarrista Mario Vizioli
Quando: 26 de junho (terça-feira) | Horário: 19h30
Onde: Bar Ornitorrinco (R. Benjamin Constant, 400 – Centro de Curitiba).